quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Refletindo o processo ensino-aprendizagem na Física

O processo ensino-aprendizagem de Física vincula-se diretamente ao campo das estruturas cognitivas dos indivíduos, a aprendizagem cognitiva. Neste sentido, discutir o processo escolarizado do ensino de Física requer uma identificação com as teorias cognitivas de aprendizagem, como forma de discutir os mecanismos que favorecem a compreensão dos conceitos e fenômenos físicos. Diversas são as teorias que tem sido propostas como forma de subsidiar o ensino nestes últimos anos, porém algumas podem ser vinculadas diretamente ao ensino de Física. Neste sentido, as teorias ditas construtivistas que buscam na construção do conhecimento o meio favorável a sua compreensão, parecem ser mais adequadas a proposta deste trabalho.

Dentre as construtivistas, encontramos a teoria histórico-cultural que fornece insight sobre como, de fato, se efetiva uma aprendizagem baseada na apropriação do conhecimento, atribuindo enorme importância ao papel da interação social no desenvolvimento do ser humano. Os estudos de Vygotsky apontam para a inter-relação entre aprendizagem e desenvolvimento, porém mostram que aprendizagem não é desenvolvimento, visto que progride de forma mais lenta e após o processo de aprendizado (1999). Continua Vygotsky: "... o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer. Assim, o aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funçõespsicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas"

Portanto, o desenvolvimento pleno do ser humano depende do aprendizado que ele realiza num determinado grupo cultural, a partir da sua interação com outros indivíduos. Mais especificamente, com relação ao processo ensinoaprendizagem, Vygotsky (1999) afirma que “o bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento”. Ao possibilitar a existência de zonas de desenvolvimento proximal, o professor estaria forçando o aparecimento de funções ainda não completamente desenvolvidas. Para Vygotsky, as disciplinas escolares são capazes de orientar e estimular o desenvolvimento de funções psíquicas superiores uma vez que se ligam ao sistema nervoso central. A teoria histórico-cultural evidencia a relação entre o social e a aprendizagem escolar. No ensino de Física, percebe-se a importância dessa interação social no processo de aprendizagem escolar, já que esta Ciência se encontra próxima e presente na realidade do educando. Neste sentido, a teoria enfatiza a relação entre os conceitos científicos (ambiente escolar) e os conceitos espontâneos (apropriados no cotidiano), como forma de favorecer a formação dos conceitos. As proposições de Vygotsky a respeito deste processo de formação de conceitos possibilita verificar a relação existente entre o pensamento e a linguagem, pelos quais ocorre a internalização do conhecimento, e as relações estabelecidas entre os conhecimentos cotidianos e os científicos.complexa, em que todas as funções intelectuais básicas tomam parte. No entanto, o processo não pode ser, reduzido a associação, à atenção, à formação de imagens, à interferência ou as tendências determinantes. Todas são indispensáveis, porém insuficientes sem o uso do signo, ou palavra, como o meio pelo qual conduzimos as nossas operações mentais, controlamos o seu curso e as canalizamos em direção à solução do problema que enfrentamos” (Vygotsky, 1999, p. 72).

O autor afirma: " A formação de conceitos é o resultado de uma atividade

Na formação dos conceitos, salienta-se o confronto entre o conhecimento cotidiano e o científico, que embora pareçam antagônicos, não o são; apenas pertencem a diferentes níveis de desenvolvimento da criança, ou seja, enquanto criança, ela, de fato, entra em conflito com os conhecimentos cotidianos e os discutidos na escola, porém, à medida que ela se desenvolve, tais divergências deixam de existir, dando lugar a um relacionamento mais abrangente, no qual se torna importante a busca pela proximidade entre esses tipos de conhecimento.

Vygotsky acredita que esses dois conceitos se relacionam e se influenciam constantemente, fazendo parte de um único processo: o desenvolvimento da formação dos conceitos. Pode-se dizer que a formação de conceitos é afetada por diferentes condições, tendo no aprendizado escolar a força que impulsiona o desenvolvimento mental da criança. No entanto, cabe salientar que, como os conceitos científicos e cotidianos são formulados em condições diferenciadas, produzirão também desenvolvimento diferenciado na mente da criança. Considera-se que, por trás de qualquer conceito científico, existe um sistema hierarquizado do qual ele faz parte e que, por sua vez, pressupõe uma relação consciente e consentida entre sujeito e objeto do conhecimento. O ambiente escolar é considerado o espaço ideal para a aquisição desse tipo de conceito. No entanto, ele se apresenta vinculado ao espontâneo, cujo cerne se encontra na convivência do indivíduo com o mundo que o cerca. Vygotsky (1999) mostra que, à medida que os conceitos científicos avançam, os espontâneos também progridem, permitindo que a relação se dê cada vez mais de forma integrada e associada. Para ele, a tarefa principal do professor é de mediador entre o aluno e o objeto de conhecimento. Quanto à internalização concreta e verdadeira de um conceito por parte de um aluno, Vygotsky (apud Moysés, 1997, p.36) mostra que “[...] o professor, trabalhando com o aluno, explicou, deu informações, questionou, corrigiu o aluno e o fez explicar”. A última expressão "e o fez explicar", é a essência do mecanismo de internalização do conhecimento. No momento em que o professor solicita que um aluno explique o conceito desenvolvido em aula, conseguirá detectar se, de fato, ele se apropriou do conceito. Pode-se, entretanto, dizer que os conceitos científicos estão apoiados em bases sólidas dos conceitos cotidianos. Segundo Vygotsky, “o desenvolvimento dos conceitos espontâneos da criança é ascendente enquanto o desenvolvimento dos seus conceitos científicos é descendente” (1999, p. 135).

Acrescenta-se a essa concepção a importância da escola no processo, a qual tem a tarefa de tornar os conhecimentos cotidianos (espontâneos) mais abstratos e abrangentes, permitindo abstrações graduais, com diferentes graus de generalizações, avançando na formação completa do pensamento do aluno.

Rego (1996) cita um exemplo do avanço escolar que os conhecimentos espontâneos adquirem, tornando-se, assim, científicos, sem negar os anteriores. Afirma que: "... a partir do sei dia-a-dia, a criança pode construir o conceito gato. Esta palavra resume e generaliza as características deste animal (não importa o tamanho, a raça, a cor, etc.) e o distingue de outras categorias tal como livro, estante, pássaro. Os conceitos científicos se relacionam àqueles eventos não diretamente acessíveis à observação ou a ação imediata da criança: são conhecimentos sistematizados, adquiridos nas interações escolares. Por exemplo, na escola o conceito gato pode ser ampliado e tornar-se ainda mais abstrato e abrangente. Será incluído num sistema conceitual de abstrações, graduais, com diferentes graus de generalizações: gato, mamífero, vertebrado, animal, ser vivo constituem uma seqüência de palavras que, partindo do objeto concreto gato adquirem cada vez mais abrangência e complexidade”. (p.77) (p. 118).

As relações entre os conhecimentos científicos e os adquiridos no cotidiano são particularmente de grande importância para o processo ensinoaprendizagem em Física. Como exemplo da importância desta relação entre o conceito espontâneo trazido pelo aluno para o ambiente escolar e o científico desenvolvido na escola, pode-se analisar o estudo da dilatação dos corpos. O aluno já traz consigo, como fruto de sua relação cotidiano com o meio social, a convicção de que, à medida que um corpo é aquecido, aumenta de tamanho (volume), porém é no ambiente escolar que ele amplia esse conceito, na busca pela sua cientificidade, analisando fatores que interferem nesse aumento; o que significa o aquecimento do corpo; a diferença existente em função da natureza da substância; ou, ainda, a possibilidade de que, ao contrário de se expandir, ele se contraia.

É preciso, contudo, considerar que o aprendizado escolar é de fundamental importância para o processo de desenvolvimento mental, principalmente na perspectiva vygotskyana, a qual prima pelas relações entre os indivíduos e as formas culturais de comportamento. Vygotsky e seus colaboradores basearam-se nos princípios do materialismo dialético e buscaram a interação do homem enquanto corpo e mente, enquanto ser biológico e social, enquanto membro da espécie humana e participante de um processo histórico (Oliveira, 1993).

Os professores que se dizem educadores, voltam suas práticas pedagógicas para questões que transcendem a lógica interna da disciplina. Um conteúdo pode ser validado por aquilo que ele proporciona além dos seus domínios propriamente ditos, ou seja, ao ensinar um conceito deve-se ter clareza da dimensão dos elementos que ele irá abranger. Nesse sentido, ensinar Física é mais do que proporcionar o domínio dos seus conceitos ou fenômenos, é oportunizar um aprimoramento do aluno enquanto pessoa. O processo de formação ética e moral e o desenvolvimento do pensamento crítico, podem ser citados como alguns dos valores de formação pessoal que a Física, enquanto disciplina integrante da escola básica, deve proporcionar.

Na conclusão deste texto, fica o desafio para que todos os fatos e esforços se dêem no sentido de promover um ensino no qual o educando seja capaz de

pensar, agir, criar, de acordo com as suas necessidades. Acredita-se que, no momento em que o homem tiver condições próprias de pensamento e ação, estará saindo do mundo medíocre em que foi lançado para tomar suas próprias decisões e para posicionar-se como verdadeiro ser humano, dono de seus atos e atitudes. Isso possibilitará a formação de um indivíduo emancipado que pode superar conscientemente as injustiças sociais, transformando a sociedade em que está inser